Sunrays

Blogger Template by ThemeLib.com

A Coisa (*)

Published by Adriana Neumann under on 1:47:00 PM
A palavra "coisa" é um bombril do idioma. Tem mil e uma utilidades. É aquele tipo de termo-muleta ao qual a gente recorre sempre que nos faltam palavras para exprimir uma idéia. Coisas do português.

A natureza das coisas: gramaticalmente, "coisa" pode ser substantivo, adjetivo, advérbio. Também pode ser verbo: o Houaiss registra a forma "coisificar". E no Nordeste há "coisar": "Ô, seu coisinha, você já coisou aquela coisa que eu mandei você coisar?".

Coisar, em Portugal, equivale ao ato sexual, lembra Josué Machado. Já as "coisas" nordestinas são sinônimas dos órgãos genitais, registra o Aurélio. "E deixava-se possuir pelo amante, que lhe beijava os pés, as coisas, os seios" (Riacho Doce, José Lins do Rego). Na Paraíba e em Pernambuco, "coisa" também é cigarro de maconha.

Em Olinda, o bloco carnavalesco Segura a Coisa tem um baseado como símbolo em seu estandarte. Alceu Valença canta: "Segura a coisa com muito cuidado / Que eu chego já." E, como em Olinda sempre há bloco mirim equivalente ao de gente grande, há também o Segura a Coisinha.

Na literatura, a "coisa" é coisa antiga. Antiga, mas modernista: Oswald de Andrade escreveu a crônica O Coisa em 1943. A Coisa é título de romance de Stephen King. Simone de Beauvoir escreveu A Força das Coisas, e Michel Foucault, As Palavras e as Coisas.

Em Minas Gerais, todas as coisas são chamadas de trem. Menos o trem, que lá é chamado de "a coisa". A mãe está com a filha na estação, o trem se aproxima e ela diz: "Minha filha, pega os trem que lá vem a coisa!".

Devido lugar: "Olha que coisa mais linda, mais cheia de graça (...)". A garota de Ipanema era coisa de fechar o Rio de Janeiro. "Mas se ela voltar, se ela voltar / Que coisa linda / Que coisa louca." Coisas de Jobim e de Vinicius, que sabiam das coisas.

Sampa também tem dessas coisas (coisa de louco!), seja quando canta "Alguma coisa acontece no meu coração", de Caetano Veloso, ou quando vê o Show de Calouros, do Silvio Santos (que é coisa nossa).

Coisa não tem sexo: pode ser masculino ou feminino. Coisa-ruim é o capeta. Coisa boa é a Juliana Paes. Nunca vi coisa assim!

Coisa de cinema! A Coisa virou nome de filme de Hollywood, que tinha o seu Coisa no recente Quarteto Fantástico. Extraído dos quadrinhos, na TV o personagem ganhou também desenho animado, nos anos 70. E no programa Casseta e Planeta, Urgente!, Marcelo Madureira faz o personagem "Coisinha de Jesus".

Coisa também não tem tamanho. Na boca dos exagerados, "coisa nenhuma" vira "coisíssima". Mas a "coisa" tem história na MPB. No II Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, estava na letra das duas vencedoras: Disparada, de Geraldo Vandré ("Prepare seu coração / Pras coisas que eu vou contar"), e A Banda, de Chico Buarque ("Pra ver a banda passar / Cantando coisas de amor"), que acabou de ser relançada num dos CDs triplos do compositor, que a Som Livre remasterizou.

Naquele ano do festival, no entanto, a coisa tava preta (ou melhor, verde-oliva). E a turma da Jovem Guarda não tava nem aí com as coisas: "Coisa linda / Coisa que eu adoro".

Cheio das coisas. As mesmas coisas, Coisa bonita, Coisas do coração, Coisas que não se esquece, Diga-me coisas bonitas, Tem coisas que a gente não tira do coração. Todas essas coisas são títulos de canções interpretadas por Roberto Carlos, o "rei" das coisas. Como ele, uma geração da MPB era preocupada com as coisas.

Para Maria Bethânia, o diminutivo de coisa é uma questão de quantidade (afinal, "são tantas coisinhas miúdas"). Já para Beth Carvalho, é de carinho e intensidade ("ô coisinha tão bonitinha do pai"). Todas as Coisas e Eu é título de CD de Gal. "Esse papo já tá qualquer coisa...Já qualquer coisa doida dentro mexe." Essa coisa doida é uma citação da música Qualquer Coisa, de Caetano, que canta também: "Alguma coisa está fora da ordem."

Por essas e por outras, é preciso colocar cada coisa no devido lugar. Uma coisa de cada vez, é claro, pois uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa. E tal coisa, e coisa e tal. O cheio de coisas é o indivíduo chato, pleno de não-me-toques. O cheio das coisas, por sua vez, é o sujeito estribado. Gente fina é outra coisa. Para o pobre, a coisa está sempre feia: o salário-mínimo não dá pra coisa nenhuma.

A coisa pública não funciona no Brasil. Desde os tempos de Cabral. Político quando está na oposição é uma coisa, mas, quando assume o poder, a coisa muda de figura. Quando se elege, o eleitor pensa: "Agora a coisa vai." Coisa nenhuma! A coisa fica na mesma. Uma coisa é falar; outra é fazer. Coisa feia! O eleitor já está cheio dessas coisas!

Coisa à toa. Se você aceita qualquer coisa, logo se torna um coisa qualquer, um coisa-à-toa. Numa crítica feroz a esse estado de coisas, no poema Eu, Etiqueta, Drummond radicaliza: "Meu nome novo é coisa. Eu sou a coisa, coisamente." E, no verso do poeta, "coisa" vira "cousa".

Se as pessoas foram feitas para ser amadas e as coisas, para ser usadas, por que então nós amamos tanto as coisas e usamos tanto as pessoas? Bote uma coisa na cabeça: as melhores coisas da vida não são coisas. Há coisas que o dinheiro não compra: paz, saúde, alegria e outras cositas más.


Mas, "deixemos de coisa, cuidemos da vida, senão chega a morte ou coisa parecida", cantarola Fagner em Canteiros, baseado no poema Marcha, de Cecília Meireles, uma coisa linda.

Por isso, faça a coisa certa e não esqueça o grande mandamento: "amarás a Deus sobre todas as coisas".

ENTENDEU O ESPÍRITO DA COISA ? ? ?

(*) De um anônimo que, pelo jeito, entende bem das coisas.

A propósito, como se não bastassem todas essas coisas, nós, pobres advogados, passamos muito tempo nos bancos escolares estudando o Direito de que? Das Coisas - desta vez com letra maiúscula, porque é coisa séria!

Vou-me embora...

Published by Adriana Neumann under on 9:24:00 AM
Minha amiga está arrumando as malas. Vai-se embora para Pasárgada.

Quando soube disso, convidei-a a ser minha vizinha em Nárnia, e ela está considerando a ideia.

A verdade é que, quando resolvi me mudar deste mundo cruel, embora permaneça nela de corpo presente, pensei em várias possibilidades: primeiro, considerei o Shire, onde moram os hobbits. Mas, vocês já viram o tamanho daquelas casinhas? Muito apertadas para mim...

A Terra Média, como um todo, é muito interessante, principalmente depois que o anel fi destruído e ela virou um lugar mais seguro. Só que lá não existem animais que falam e eu preciso de um com quem conversar.

Poderia ir para o planeta onde vive a "raposa", mas ela já foi cativada pelo Pequeno Príncipe.

Então, descobri Nárnia. Lá eu posso até não ser amiga do rei, mas encontrei um Amigo perfeito, com quem posso conversar: Aslan, o Grande Leão.

A relatividade da fofoca

Published by Adriana Neumann under on 12:36:00 PM
Hoje recebi um comentário sobre meu último post, de um leitor anônimo:

"Gostava de teu blog; porém, da postagem anterior até esta, pareço ler apenas fofocas. TRISTE".

Em primeiro lugar, triste mesmo foi o anonimato. Afinal, quem não tem medo de suas ideias, não deveria ter medo de se revelar. E, se não se revela, é porque não está tão certo quanto às suas ideias. Por outro lado, essa falta de identificação gerou uma insegurança desconfortável, já que não sei quem tem esse novo pensamento a respeito das minhas postagens. Seria um bom amigo ou um ilustre desconhecido? Mil rostos me passaram pela mente e pensei se cada uma dessas pessoas que têm nome e sobrenome e me são queridas seria capaz de me criticar tão veladamente, me fazendo, de certa forma, interpretar papel de idiota.

Mas, acredito que de tudo devemos extrair um pensamento. E, diante desse post, fiquei a me questionar: o que é fofoca, enfim?

Pergunto isso porque já fiz várias fofocas ao longo da história deste blog: disse que o bispo Cirilo de Alexandria era um filho da p*&%$; entreguei que a Austrália foi colonizada por criminosos casados com prostitutas e contei que Francesca da Rimini era amante de Paolo Malatesta, dentre outras coisas.

Mas, em nenhum desses momentos, meu incógnito leitor disse que eu estava fazendo fofoca. Mas, por que? Será que é porque o ingrediente principal da fofoca é justamente a atualidade?

Assim, seguindo essa linha de raciocínio, uma fofoca vintage deixaria de ser fofoca para passar a fato histórico. E, de quebra, o fofoqueiro passaria a ser considerado culto.

Já vinha pensando nisso quando do casamento de Will&Kate. Nessa ocasião eu estava lendo um romance histórico, que tinha como personagens Eleonora, duquesa de Aquitânia, Luis, rei da França, e Henrique, rei da Inglaterra.

O livro contava todas as intrigas ocorridas na época, falando do casamento de Eleonora com Luis, do figurino usado para o momento, dos seus casos extraconjugais e até da roupa que usou quando foi coroada rainha da Inglaterra, por ter-se casado com Henrique. Coisa de tablóides ingleses atuais. Mas, era História e o livro era sério.

Enquanto isso, o casamento de Will&Kate estava sendo noticiado em "Caras" e "Contigo" e era comentado em salões de cabeleireiros. Falava-se da indumentária da noiva e convidadas, da recepção e da cerimônia. Exatamente como no caso Eleonora-Luis-Henrique. Mas, era fofoca e "Caras" e "Contigo" não podem ser chamadas de revistas muito sérias.

Então, tudo é relativo, até mesmo definições vocabulares já amalgamadas, que ganham outros contornos quando estudadas à luz do passar do tempo.

Fico entristecida pela decepção que causei a meu leitor. Mas, o que posso dizer a ele é que meu blog fala da vida - minha e dos outros -, mas não é a própria vida, assim como o livro é muito mais que sua capa.

Se hoje faço fofoca, quem sabe amanhã estarei falando de rosas e libélulas? Afinal, nunca se deve subestimar um autor só por causa do seu surto criativo.

Meu novo amigo invisível

Published by Adriana Neumann under on 3:25:00 PM
Tendo resolvido partir para carreira solo, minha primeira providência foi procurar uma sala onde pudesse montar meu escritório, uma que tivesse minha cara e fosse agradável aos clientes.

Fui à procura e encontrei o lugar ideal: uma sala nem grande nem pequena, ensolarada, bem localizada, num prédio antigo que foi todo restaurado, aluguel modesto e, como se não bastasse, um belo terraço.

Resultado: assinei o contrato de locação de 36 meses e fui à luta. Mas, não estava preparada para o que ninguém havia me contado até então: nos anos 40, século passado, a sala era ocupada por um dentista, que, num acesso de fúria, matou seu cliente, o picou em mil pedaços, e colocou-o numa mala no forro da sala.

Agora, imagine um prédio antigo, com uma escadaria, forro de madeira e um possível fantasma nele. Perfeito!

Claro que alguns ficaram aterrorizados com a história, outros me sugeriram até rescindir o contrato ou pedir um desconto-fantasma.

Mas, não me deixei levar pelas opiniões alheias. Afinal, tenho uma história e tanto para contar - não são muitos por aí que ocupam uma sala onde ocorreu um crime tenebroso. Além disso, se fantasmas existem, eu teria sempre companhia.

Então, começaram a acontecer coisas: meu grampeador sumiu e meu computador travou. Não consegui achar meus papéis e, pasmem, a porta da minha sala se abriu sozinha.

Então, foi a gota d'água. Parei o que estava fazendo e falei, me sentindo um tanto quanto ridícula com toques de esquizofrenia: "Qualé, cara? Tudo bem, gostou de mim, gostou do lugar, pode ficar. Mas, por favor, não atrapalhe!"

E então veio o silêncio. A porta se fechou e meu grampeador surgiu, da mesma forma que havia desaparecido.

O mais interessante é que, depois desse dia, eu passei a sentir que estou sendo cuidada. Acho que esse fantasma simpatizou comigo. Um dia, quando saí apressada para almoçar, esqueci de passar a trancar na porta. Quando voltei, lá estava ela, trancadinha.

Mas, o melhor aconteceu hoje.

Primeiro, vou explicar a confusão: o número da minha sala, oficialmente, é o três. No entanto, para efeito de interfone, é o cinco. E cinco também é o número que consta na caixa de correspondência. E eu não tenho a chave da caixa de conrrepondência da sala três. Entendeu? Pois é, nem eu. Mas, o fato é que, quando fui contratar telefone e energia elétrica, informei o número três como sendo o da sala, já que é esse que consta no meu contrato de locação.

Preocupada com o fato de que o carteiro fosse colocar as faturas na caixa três, à qual não tenho acesso, fui pedir uma segunda via de conta para a operadora de telefonia e a companhia de energia. Foi aquele problema, porque eu precisava ter o número do contrato. Mas, eu não tinha o número do contrato porque ele estava nas faturas que estavam na caixa de correspondência indisponível.

Apelei pro meu charme e, num ato de desespero, até para a minissaia com a fenda do lado. Nada feito: sem contrato, sem segunda via de conta.

Fui ao escritório com um pé de cabra, já disposta a arrombar a bendita caixa três e pegar minhas faturas. Aliás, diga-se de passagem, àquela altura eu já estava delirando e a abertura da tal caixa três me pareceu uma boquinha com um sorrisinho sacana para mim. E pensei com meus botões: "é agora que esse sorrisinho vai acabar, porque eu vou destruir você, sua caixinha ordinária!"

Porém, num momento iluminado, resolvi olhar para a caixa cinco e abrí-la: lá estavam as minhas contas de energia elétrica e de telefone. Claro que só podia ser coisa do meu fantasma particular.

E assim seguimos trabalhando, eu e meu novo amigo invisível. Dizem que esse tipo de amizade é saudável até os cinco ou seis anos (diga-se de passagem, eu fui saudável até demais, porque até essa idade tive três amigos imaginários), mas que depois vira caso psiquiátrico.

Mas, não me importo. Prefiro ficar com o que diz a letrada música: "mais louco é quem me diz e não é feliz; eu sou feliz".

4'33" - Eu tentei!

Published by Adriana Neumann under on 7:55:00 PM
Caro leitor, antes de ler meu texto, é imperioso que você assista a esse video:



Pois bem, esses dias me falaram da obra de um teórico musical experimentalista chamado John Cage, um ilustre desconhecido para mim.

Torci o nariz quando ouvi a palavra experimentalista. Mas, como não gosto de estabelecer conceitos sem conhecimento prévio do assunto, fui buscar alguns vídeos seus no YouTube.

Foi aí que me deparei com a sua mais famosa obra, a tão comentada, ou o tão comentado, 4'33" - afinal, não cheguei a compreender se isso é uma sinfonia ou um concerto, dada a sua complexidade.

Que momentos agradáveis! Nunca ri tanto na minha vida... não sei se gostei mais da expressão dos músicos tentando se manter sérios, do maestro olhando pro relógio ou da plateia com cara de pastel.

O mais engraçado é que, a cada mudança de movimento, o auditório aproveitava para dar sua característica tossidinha, o que me levou a pensar porque os ouvintes de música erudita tossem tanto...

E o pior: no final da "execução" da obra, todos aplaudiram o maestro e a orquestra com extremo entusiasmo, como se a Anna Netrebko tivesse feito um strip tease cantando Meine Lippen sie Kussen so Heiss.

O que me intriga é tentar descobrir quanto tempo de ensaio é necessário para executar com maestria a obra 4'33".

Mas, o pior de tudo você, caro leitor, não sabe: 4´33´´ teve várias etapas de composição, várias versões, até chegar nessa mais madura que o compositor apresentou como definitiva. Todas as versões são sem som algum.

Dizem os entendidos que o objetivo da obra é nos dar a oportunidade de ouvir nossos próprios sons interiores. Mas, eles estão certos, porque alguns movimentos interiores realmente produzem som - e odor, diga-se de passagem.

Então, talvez a "obra" de John Cage seja o produto desses sons interiores anunciando a verdadeira obra!

Palavras de um prosopoeta - Sobre maçãs e flores

Published by Adriana Neumann under on 9:47:00 AM


“Mulheres são como maçãs em árvores, as melhores estão no topo. Os homens não querem alcançar essas boas, porque eles têm medo de cair e se machucar. Preferem pegar as maçãs podres que ficam no chão, que não são boas como as do topo, mas são fáceis de se conseguir. Assim as maçãs no topo pensam que algo está errado com elas, quando na verdade, eles estão errados… Elas têm que esperar um pouco para o homem certo chegar, aquele que é valente o bastante para escalar até o topo da árvore.” [texto que recebi como sendo ‘supostamente’ de Machado de Assis]

Nos últimos dias tenho pensado sobre maçãs e flores, sobre grimpas e redomas de vidro, até sobre amizades e amores. E, embora pense bem sobre essas coisas, não as consigo explicar ao falar delas a quem me importa que saiba o que penso. Não conseguindo falar, talvez consiga escrever.

Foi-me dado um texto sobre “melhores mulheres e homens atrevidos” para que aprendesse eu uma lição acerca de coragem e recompensa, acerca de mulheres especiais e homens destemidos. Parece-me que o texto desconhece que mulheres não são como maçãs, não são objetos raros destinados ao consumo dos mais-qualquer-coisa-do-que-os-outros. Mulheres, penso eu, são parte de um plano, são pares de uma dança proposta por Deus, de um acordo que inclui querer e amar mútuos, resolutos e abnegados.

Subir às grimpas de uma árvore, debruçada sobre um penhasco, e de lá trazer o mais vermelho e rubro pomo é sim prova de vontade inabalável e de espírito aventureiro, mas não prova o caráter de um homem. Crianças brincam em árvores e buscam as grimpas só por vaidade. Homens buscam o fruto que lhe tenha valor, que lhe sacie a alma e não o ego.

Por sua vez, maçãs rubras sabem em sua essência que valor algum há na altura em que se prendem às grimpas, mas que no teor de sua polpa, na doçura de sua seiva, na fome que saciará, nestas coisas reside sua importância. Logo, os melhores pomos não se envaidecem da posição e da dificuldade que oferecem, mas sabem que só homens refinados saberão apreciar sua vida, ainda que as encontre verdes, ainda que tenham que guardá-las no calor de suas mãos até que amadureçam. Querem as maçãs de valor ter a certeza de que agradarão ao ser colhidas, que servirão de alimento farto e não apenas de troféu aos atrevidos da vida, essa é a motivação verdadeira, e isso foge aos atrevidos e às fascinadas com a própria altura que as cerca.

Mas, entre maçãs e flores, entre estar livres nas altas grimpas ou precisar de quem as cuide para que sejam belas e os carneiros não lhes destruam, talvez tenham as rosas mais consciência de sua importância. Ainda que não venham mudar o mundo, ainda que nunca se encontrem em alturas dignas dos destemidos-mais-que-todos, sabem as rosas que vivem para fazer mais felizes os dias de quem as cuida, sabem as rosas, de pétalas rubras, de quatro ou cinco espinhos-de-nada, que serem regadas é importante para elas e para as mãos cuidadosas que as umedecem pela manhã.

Sabem as rosas que seu perfume provoca a felicidade gratuita e impagável no coração de quem as cuida e as observa sem se importar com a finalidade grandiosa de sua tarefa; não há prêmios para os melhores tratadores de roseirais, só para os atrevidos escaladores de macieiras abissais.

Vivem as rosas para trazer nas pétalas o toque macio que inebrie os dedos de seu cultor, fazem isso sabendo que em nada sua singeleza será premiada com holofotes; mas como se sentem felizes, como se sentem bem em saberem que seu toque permanece por dias a fio na alma de quem as tocou.

No fim, ainda que menos modestas, são menos vaidosas as rosas, são mais cientes de que um dia o grande criador as fez para serem apenas o que são e agradar tão somente a quem agradam, poucos e agradecidos, não os atrevidos e vaidosos. No fim, sabem que valerá a pena um dia em sua companhia pelo bem que faz, porque assim quis fazer, à alma do que abriu mão das glórias e dos pódios para cuidar de pequenas e frágeis rosas.

Sim, as rosas precisam de redomas, que as protejam das intempéries e dos predadores, enquanto as maçãs se gabam da liberdade irrestrita que desfrutam nos cumes das macieiras; mas pobres maçãs, não há quem as queira quando acordam sem viço, ou o tempo lhes azeda um pouco; todavia, cada pétala da rosa querida, ainda que perca o viço, é guardada nas páginas de uma vida.

“E nenhuma pessoa grande jamais compreenderá que isso tenha tanta importância.” (última frase de O pequeno príncipe)

Duas observações:

1- o texto não é meu. É do TOM FERNANDES, um grande homem, que tem textos incríveis e cujo blog merece ser visitado: http://tomfernandes.wordpress.com/

2- as rosas que ilustram o texto aqui foram ganhas e fotografadas por mim, que assim fiz para que elas se perpetuassem e não se perdessem na sua efemeridade. Nada mais adequado, portanto, a esse texto que diz tão bem sobre elas.

Nove compassos em Buenos Aires

Published by Adriana Neumann under on 5:03:00 PM


Ao ver a foto, Jorge foi logo dizendo que eu mais parecia o Frajola após, finalmente, ter conseguido apanhar o Piu-Piu. Disse, mais, que se olhasse com atenção, veria a pena do pobre passarinho no canto da minha boca.

Mas, ele me advertiu também que o tango bem dançado tem que resultar em casamento, sob pena de restar indelevelmente manchada a honra da dançarina.

Desta forma, como boa senhora de família que sou, arrisquei somente nove inocentes compassos, insuficientes para arruinar minha honra. Mas, ainda assim, a expressão frajolística permaneceu.

Y así fue en una noche de plenilunio en la ciudad del tango...

Da série "Expressões sem noção" [8]

Published by Adriana Neumann under on 3:42:00 PM
"Última bolacha do pacote"

Hoje fui fazer meu lanchinho da tarde, que geralmente consiste em um pouquinho de chá e três ou quatro bolachinhas. Percebi que, na embalagem, restavam poucas e que eu iria comer, literalmente, a última bolacha do pacote.

Foi aí que eu me dei conta de que usar essa expressão para se referir a alguém importantíssimo e insubstituível é a coisa mais sem noção que existe.

O leitor já observou a última bolacha do pacote? Meio mole, toda quebradiça e ainda difícil de sair!!

Quem, afinal, iria querer uma porcaria dessas?

Aliás, vamos ser francos: a gente só come a última bolacha do pacote com pena de jogá-la no lixo, né?

Homens [2]

Published by Adriana Neumann under on 7:55:00 AM


Alguém pode me explicar como isso foi acontecer?

A sova

Published by Adriana Neumann under on 8:25:00 AM
Certo dia, recebi de uma amiga a receita de um tal Pão Alemão. Comecei a lê-la e pensei em desistir quando vi, no modo de preparo, o verbo sovar.

Minha avó materna sovava bem! Ela lavava roupa na mão, porque não existia máquina de lavar e batia bolo também na mão, porque achava a batedeira coisa muito moderna e até tinha ciúmes dela, porque pensava que ia roubar seu lugar.

Minha avó paterna também sovava bem! Diz a lenda que ela sovou uma vizinha que ousou falar mal de seus rebentos. Aliás, pelo que se diz, a tal vizinha precisou de quase um ano de fisioterapia e passou a mancar de uma perna até seus últimos dias.

Minha mãe já não sovava. Professora, filha única, aprendeu unicamente a usar as mãos para bordar e escrever e, no dia em que minha avó paterna, sua futura sogra, com um sorriso cínico no rosto, deu-lhe uma galinha para depenar, depois de tê-la matado com uma singela torcida de pescoço, ela quase desmaiou e só não o fez com medo de perder o noivo.

Portanto, eu já não sou da geração que sabe sovar. Eu tenho máquina de lavar roupas e batedeira. Sempre trabalhei fora do lar e não tenho rebentos nem uma vizinha para falar mal deles.

Assim, a receita me assustou! Mas, resolvi encará-la como desafio e fui à luta. O resultado foi um verdadeiro desastre! O pão não cresceu, ficou duro e impossível de comer e foi devidamente destinado à lata do lixo.

Acontece que não sou mulher de fugir a desafios e a receita continuou lá, na cozinha, esperando o momento propício para ser executada.

Um belo dia, acordei estranha, com o pé esquerdo. Logo de manhã, em audiência, uma testemunha mentiu descaradamente e, para a surpresa de todos, eu, tão polida, perguntei à mesma se ela achava que os presentes, inclusive o nobre juiz, usavam nariz de palhaço para engolir tantas mentiras.

À tarde, entrei em pânico por ter uma liminar negada e soquei o telefone e o computador, ambos ao mesmo tempo.

Cheguei em casa à noite, exausta, e fui olhar no calendário: era a tão temida época de treinamento para matar - mais conhecida como TPM -, o momento propício para tirar a receita da gaveta.

Separei ovos, farinha e manteiga, como prescrito. Joguei tudo numa bacia e comecei a pensar naquela testemunhazinha mentirosa de m&%$#... e quem era aquele magistrado com síndrome de juizite nascido na zona que teve a audácia de me negar a liminar? Pensei no mundo injusto e na tortura que era minha profissão. Senti-me só, infeliz e no limite das minhas forças... e comecei a sovar!! Fui possuída, penso que pelos espíritos de minhas avós, e adquiri uma força que não sabia que tinha. Não conseguia parar de sovar! Sovava... transpirava... sovava... chorava...

Enfim, minha obra prima: a massa não parou de crescer e o que era para ser apenas um pão acabou em três!

Moral da história: para tudo existe um dia certo. Até mesmo para sovar.

War

Published by Adriana Neumann under on 6:50:00 PM

Sete motivos para morar em Nárnia

Published by Adriana Neumann under on 1:46:00 PM
1- Ouvir o Tiago Arancan cantar "Deixa a Vida me Levar" no Domingão do Faustão;

2- Ler "eu te amo, miguxo (a)" em redes sociais, de pessoas que nem se conhece;

3- Saber, por essas mesmas redes sociais, da existência virtual de anjos amigos e azuis, bem como de fadas do amor, deusas da paixão e seres mitológicos igualmente bregas;

3- Ver o video do Elvio Santiago cantando "Eu Vou-te Excluir do meu Orkut" e saber que ele tem um novo sucesso chamado "Vou-te Deletar do meu Hi5";

4- Rebolation;

5- Saber que o Zeca Pagodinho ganha mais dinheiro que os caras que pesquisam a cura pro câncer;

6- Ouvir Ivete Sangalo e Claudia Leite duelando entre as barracas de praia, quando eu só quero ouvir o marulho.

P.S.: Eu ia colocar dez motivos, mas resolvi diminuir, em nome da minha sanidade mental.

Da série "Novas expressões da língua portuguesa, ou o que se lê nas redes sociais" (3)

Published by Adriana Neumann under on 9:41:00 AM
"Se por aventura tu vim aqui na praia..."

Não, seus pseudointelectuais, a criatura não escreveu "se porventura tu vieres aqui na praia" errado.

O que acontece é que a casa de praia dela fica numa ilha deserta, cheia de falésias e com apenas uma praia minúscula onde se chega de bote. Então, é uma verdadeira aventura ir até lá.

O "tu vim" faz parte do dialeto local da ilha, impossível de localizar em qualquer mapa.

________________________________

"Comprei uma TV icecream"

Problemas imediatos: o derretimento rápido do aparelho e a dificuldade em lambê-lo.

Mas, seria possível ir às Casas Bahia e pedir um televisor de morango?

Já vi outra variação, mais sutil: "TV widescream". Nesse caso, acho que ela tem um som tão potente que parece um grito!

________________________________

"Lá em casa foi um griteiro tão grande que deixou meu sistema todo nervoso".

O que dizer quando a piada vem pronta?!?

Mas, sei lá, a coisa deve ter sido tão feia que deu uma pane geral no sistema. Deve ter sido um caso de boot causado pela incompatibilidade da cadeia neurológica da criatura com o léxico da seu idioma pátrio.

Da série "Expressões sem noção" (7)

Published by Adriana Neumann under on 7:56:00 PM
"Sou todo ouvidos"

Cada vez que ouço essa expressão, imagino ou um orelhão gigante ou algo como um quadro surreal, onde, no lugar da boca, olhos e nariz, as pessoas tivessem orelhas. Já pensou que divertido?

Mas, pra que adiantaria? A audição de todos seria perfeito, mas ninguém estaria capacitado a falar nada e o silêncio chegari a ser irritante.

Da série "Novas expressões da língua portuguesa, ou o que se lê nas redes sociais" (2)

Published by Adriana Neumann under on 4:51:00 PM
"Fulana sabia diante mão..."

Não, seus pseudointelectuais, a criatura não escreveu "de antemão" errado.

Na verdade, a pessoa em questão consultou uma cigana que leu o futuro em suas mãos. Então, o que a autora da frase quis dizer é que "Fulana sabia o que estava por vir porque o futuro estava diante de sua mão".

______________________________________

"Galão de novela"

Não, seus pseudointelectuais, a criatura não escreveu "galã de novela".

Na verdade, aquilo foi um anúncio:

"Vem aí 'Rios e Mares', a primeira novela líquida da televisão brasileira, a única que você não vê, mas bebe. Apresentada em galões, e não capítulos, ela vai penetrar em suas entranhas, literalmente".

Aff... será que eu preciso explicar tudo pra vocês?

_______________________________________

O pior - ou, no meu caso, o melhor, já que tenho um repositório concentrado de piadas prontas para este humilde blog - é que nada disso é inventado: li tudo em perfis, comentários e scraps de redes sociais. Só não cito as fontes por medo de ser processada...

Da série "Novas expressões da língua portuguesa, ou o que se lê nas redes sociais" (1)

Published by Adriana Neumann under on 5:27:00 PM
"Tassa de champagem".

Não, seus pseudointelectuais, a criatura não escreveu "taça de champanhe" errado não.

Tassa, do idioma banto do Mali, significa cuia.

Champagem, do creole, veneno.

Tradução: "cuia de veneno".

Porém, existe uma corrente filológica que nega essa versão e diz que a expressão "tassa de champagem" vem da linguagem Ynuit e tem o seguinte significado:

Tassa signica que. Champagem, ser estúpido.

"Que ser estúpido", é o que os Ynuit dizem quando atiram esquimós para os ursos polares.

Versões

Published by Adriana Neumann under on 8:25:00 AM
Fiquei sabendo de um novo filme com a Amanda Seyfried, que é uma nova versão da velha história da Chapeuzinho Vermelho. Ao que me parece, ela tem um amor na floresta e ambos são ameaçados por uma criatura misteriosa que seria uma nova leitura do Lobo Mau.

Enfim, seja como for, é mais uma versão para um mesmo e antigo conto de fadas - que não tem nenhuma fada, diga-se de passagem...

Aí eu me lembro de que uma vez, no meu aniversário, ganhei um belo livro com contos dos Irmãos Grimm e até hoje me lembro do espanto que tive ao ver que, segundo aquela versão, o lobo comia a vovó, a Chapeuzinho e até os caçadores - bem thriller movie mesmo, não poupava ninguém.

Interessante que, quando eu ganhava livros de aniversário, como até hoje, eu já os devorava na mesma noite e sempre ouvia minha avó dizendo: "Menina, isso são horas pra uma criança ficar acordada? Já são duas da manhã, pare de ler e vá dormir já!"

E naquela noite eu li o conto, fiquei horrorizada e tive pesadelos. Minha avó se vingou!!

Mas, esses dias, eu pensei então em dar novas versões a contos e fábulas, a começar pela fábula "A Cigarra e a Formiga", de La Fontaine. Posso imaginar vários desfechos, dos mais trágicos aos mais edificantes, com mensagens de justiça social ou de total descrença na humanidade. Mas, para não cansar o leitor, separei quatro versões:


VERSÃO "A VIDA COMO ELA É"

É verão. Prados verdejantes, sol e calor. A formiga e suas operárias trabalham incansavelmente juntando folhas, como suprimento para o inverno que chegaria seis meses depois. A cigarra, inspirada pela beleza das flores e pelo carinho da leve brisa que a envolvia, apenas canta, como se não fosse haver amanhã.

Vem o inverno. A formiga recolhe-se à sua toca e refestela-se com os alimentos arduamente acumulados durante o verão. Enquanto isso, a cigarra sofre com fome e com frio.

A cigarra bate à porta da formiga e ela lhe nega abrigo e comida, embora lhe sobrem espaço e víveres, dizendo-lhe que deveria ter sido mais prudente e trabalhadora, ao invés de só ficar cantando.

A cigarra morre de fome e frio junto à entrada da toca da formiga.

Fim.


VERSÃO "O AMOR É LINDO" OU "PARA CONTAR AOS FILHOS, COMO LIÇÃO DE MORAL"

É verão. Prados verdejantes, sol e calor. A formiga e suas operárias trabalham incansavelmente juntando folhas, como suprimento para o inverno que chegaria seis meses depois. A cigarra, inspirada pela beleza das flores e pelo carinho da leve brisa que a envolvia, apenas canta, como se não fosse haver amanhã.

Vem o inverno. A formiga recolhe-se à sua toca e refestela-se com os alimentos arduamente acumulados durante o verão. Enquanto isso, a cigarra sofre com fome e com frio.

A cigarra bate à porta da formiga e ela a acolhe na sua toca quentinha, repartindo com ela o alimento. É Natal e ambas se abrigam ao pé da lareira e a formiga, em paz, ouve Noite Feliz entoada pela agradecida cigarra.

Fim.


VERSÃO "POP"

É verão. Prados verdejantes, sol e calor. A formiga e suas operárias trabalham incansavelmente juntando folhas, como suprimento para o inverno que chegaria seis meses depois. A cigarra, inspirada pela beleza das flores e pelo carinho da leve brisa que a envolvia, apenas canta, como se não fosse haver amanhã.

Vem o inverno. A formiga recolhe-se à sua toca e refestela-se com os alimentos arduamente acumulados durante o verão. Pensa que o trabalho foi árduo, mas compensador, porque hoje ela está bem e segura.

Eis que lhe batem à porta. É a cigarra, sexy, exuberante, luxuosamente vestida com um modelo da coleção de inverno de Roberto Cavalli:

"Amigaaaa, você não sabe o que aconteceu! Eis que eu estava a cantar nos prados verdejantes, quando um caçador de talentos me ouviu e me incentivou a participar do American Idol. Menina, ar-ra-sei!!! Todos me adoraram. Gravei um CD em dueto com a Lady Gaga e fomos as primeiras no hit parade! Agora estou indo passar o reveillon em Paris, a convite de K. Lagerfeld. Você quer alguma coisa de lá?

"Sim", disse a formiga. "Se você encontrar um tal La Fontaine por lá, diga pra ele ir tomar no c%$#*".

Fim.


VERSÃO "PT"

É verão. Prados verdejantes, sol e calor. A formiga e suas operárias trabalham incansavelmente juntando folhas, como suprimento para o inverno que chegaria seis meses depois. A cigarra, inspirada pela beleza das flores e pelo carinho da leve brisa que a envolvia, apenas canta, como se não fosse haver amanhã.

Um dia as operárias se dão conta que trabalham sem carteira assinada e entram com uma ação contra a formiga perante a Justiça do Trabalho. Ao mesmo tempo, o IBAMA multa a formiga por desmatamento. Cheia de dívidas e sem ter como dar continuidade ao trabalho, a formiga abandona sua fazenda, que é desapropriada pelo Governo, por ser considerada improdutiva. A fazenda entra no programa de reforma agrária.

A cigarra, a essa altura, faz parte do MST, por ser um grande sucesso nas rodas de violeiros dos acampamentos. E aí, num desses golpes de sorte, ganha do Governo a fazenda que outrora havia sido da formiga.

Mas, a cigarra havia sido feita para cantar e não para arar a terra. Então, vende sua fazenda para a formiga, põe um bom dinheiro no bolso e volta para o MST, para, na linha de frente das passeatas, prosseguir num hino:

"Caminhando e cantando e seguindo a canção..."

Fim.


Pois é, no final das contas, ainda acho mais vantajoso ser cigarra. Afinal, "quem sabe faz a hora, não espera acontecer".
 

Lipsum

Seguidores