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A sova

Published by Adriana Neumann under on 8:25:00 AM
Certo dia, recebi de uma amiga a receita de um tal Pão Alemão. Comecei a lê-la e pensei em desistir quando vi, no modo de preparo, o verbo sovar.

Minha avó materna sovava bem! Ela lavava roupa na mão, porque não existia máquina de lavar e batia bolo também na mão, porque achava a batedeira coisa muito moderna e até tinha ciúmes dela, porque pensava que ia roubar seu lugar.

Minha avó paterna também sovava bem! Diz a lenda que ela sovou uma vizinha que ousou falar mal de seus rebentos. Aliás, pelo que se diz, a tal vizinha precisou de quase um ano de fisioterapia e passou a mancar de uma perna até seus últimos dias.

Minha mãe já não sovava. Professora, filha única, aprendeu unicamente a usar as mãos para bordar e escrever e, no dia em que minha avó paterna, sua futura sogra, com um sorriso cínico no rosto, deu-lhe uma galinha para depenar, depois de tê-la matado com uma singela torcida de pescoço, ela quase desmaiou e só não o fez com medo de perder o noivo.

Portanto, eu já não sou da geração que sabe sovar. Eu tenho máquina de lavar roupas e batedeira. Sempre trabalhei fora do lar e não tenho rebentos nem uma vizinha para falar mal deles.

Assim, a receita me assustou! Mas, resolvi encará-la como desafio e fui à luta. O resultado foi um verdadeiro desastre! O pão não cresceu, ficou duro e impossível de comer e foi devidamente destinado à lata do lixo.

Acontece que não sou mulher de fugir a desafios e a receita continuou lá, na cozinha, esperando o momento propício para ser executada.

Um belo dia, acordei estranha, com o pé esquerdo. Logo de manhã, em audiência, uma testemunha mentiu descaradamente e, para a surpresa de todos, eu, tão polida, perguntei à mesma se ela achava que os presentes, inclusive o nobre juiz, usavam nariz de palhaço para engolir tantas mentiras.

À tarde, entrei em pânico por ter uma liminar negada e soquei o telefone e o computador, ambos ao mesmo tempo.

Cheguei em casa à noite, exausta, e fui olhar no calendário: era a tão temida época de treinamento para matar - mais conhecida como TPM -, o momento propício para tirar a receita da gaveta.

Separei ovos, farinha e manteiga, como prescrito. Joguei tudo numa bacia e comecei a pensar naquela testemunhazinha mentirosa de m&%$#... e quem era aquele magistrado com síndrome de juizite nascido na zona que teve a audácia de me negar a liminar? Pensei no mundo injusto e na tortura que era minha profissão. Senti-me só, infeliz e no limite das minhas forças... e comecei a sovar!! Fui possuída, penso que pelos espíritos de minhas avós, e adquiri uma força que não sabia que tinha. Não conseguia parar de sovar! Sovava... transpirava... sovava... chorava...

Enfim, minha obra prima: a massa não parou de crescer e o que era para ser apenas um pão acabou em três!

Moral da história: para tudo existe um dia certo. Até mesmo para sovar.

3 comentários:

Anônimo disse... @ 24 de fevereiro de 2011 às 20:16

sovar é realmente uma experiência libertadora. ler seus textos tem sido a cada dia uma experiência mais agradável. faltou só a foto dos pães. ;-)

Anônimo disse... @ 3 de março de 2011 às 11:06

Genial!!!
Principalmente p/ quem vivenciou tudo isso. he he he



Amo seu estilo de escrever.
Vc está se perdendo, filha, ou melhor, as Editoras estão perdendo uma grande cronista.

ARLETE TRENTINI DOS SANTOS disse... @ 5 de março de 2011 às 20:15

QUE TEXTO FORMIDÁVEL!
PARABÉNS.
ABRAÇOS.

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