Paixão, Pedro, Jacas e Ovelhas

Ontem assisti à Paixão Segundo São João, de J.S.Bach. Passei a semana toda animada com o espetáculo e comentei sobre isso com uma determinada pessoa (cuja identidade mantenho em segredo, por motivos óbvios), que me disse: "Nossa, eu achei que São João tivesse escrito só o evangelho, mas ele escreveu histórias de amor também, que legal"! Dããã...

Isso me lembra uma outra pessoa, cujo anonimato será mantido pelo mesmo motivo, que me perguntou se o filme do Mel Gibson, A Paixão de Cristo, era sobre Maria Madalena, baseado n`O Código Da Vinci. Dããã... [2]

Mas, não vamos ser maldosos. A culpa não é delas. A culpa é da sociedade que subestima o sentido da palavra paixão, limitando-a a manifestações eróticas, quando ela, na verdade, vai muito além disso, pois a paixão é um sentimento excessivo, seja de dor, seja de desejo.

Aí, a mesma sociedade que subestima o sentido da palavra paixão, superestima o sentimento em si, confundindo-o com o próprio amor, esse sim muito mais profundo. Então, o apaixonado pode estar padecendo excessivamente por causa do desejo, sentindo em demasia essa paixão. Mas, é só isso, porque uma das características da paixão é a sua efemeridade.

Aí chegamos à paixão de Cristo, que não é o amor d'Ele por nós, mas sim o sofrimento d'Ele, de dor e consequente morte, em razão de ter sido incompreendido e temido. Mas, mesmo essa paixão, esse sofrimento intenso, que não conseguimos sequer dimensionar, acabou, pois ao fim de três dias, ele ressuscitou, se é que as coisas são como foram contadas no Evangelho.

Mas, ainda falando da peça, há um momento em que é narrada a conhecidíssima passagem de Pedro negando a Jesus três vezes antes do galo cantar. Ahhh Pedro, o irascível, o impulsivo, aquele que disse sem medo "Pra mim, você é o Messias" e que também não se intimidou ao pedir ao Mestre que lhe fizesse andar também sobre as águas. Ahhh grande Pedro, o santo padroeiro dos pisoteadores de jaca...

Para quem se deixa levar pela impulsividade e, vez por outra, põe os pés pelas mãos, Pedro é um imenso alívio, porque ele, em menos de 24 horas, fez coisas terríveis e pisou feio na jaca: cortou a orelha de um soldado, saiu correndo, negou Jesus uma, depois duas e depois três vezes!!! E depois saiu chorando de vergonha.

Daí a gente entende o que é o amor de verdade, que nunca pode ser confundido com paixão. O mesmo Pedro irascível, impulsivo e pisoteador de jacas teve um encontro com o Mestre ressurreto e este, simplesmente, pediu que fosse ele o apascentador de suas ovelhas. E aí Pedro passa a ser também uma esperança para esses mesmos que se deixam levar pela impulsividade.

Existem muitos Pedros por aí. Eu mesma sou um deles. E, se as coisas são como foram ditas no Evangelho, muito feri a Jesus por ter sido como Pedro para com algum de seus pequeninos. Portanto, meu desejo é de que Ele ainda olhe por mim e, mesmo sendo eu desse jeito, me peça para apascentar algumas ovelhas.