Passaporte
Published by Adriana Neumann under on 7:21:00 AM
- Acabou a água!
Foi a primeira coisa que ela ouviu naquele dia, antes mesmo de acordar totalmente. Bem devagar, foi para o banheiro, a fim de se certificar da triste notícia. Abriu o chuveiro, nada. Abriu a torneira, mesma coisa.
Olhou para o espelho e teve vontade de chorar. Afinal, onde ela estava com a cabeça quando permitiu que lhe fizessem aquele penteado de perua? Aquela flor de cabelos saindo da cabeça, um topete e cachichos descendo ao lado das orelhas. Parecia mais uma mistura malsucedida de Hebe Camargo com judeu ortodoxo. E olha que o dito tinha era laquê, porque, apesar de ser esse desastre, estava perfeito, como se ela tivesse passado a noite sentada sem mexer a cabeça. Até o topete estava lá, intocado!
E aquela maquiagem de palco, de onde ela tirou? Se fosse loira, diria que guardava semelhança com a Barbie ou a Ivana Trump, não sabia dizer ao certo. Como era morena, pensava estar mais para a Isabelita dos Patins.
Tinha viajado quilômetros para ser madrinha do casamento da sua melhor amiga e estava realmente feliz por ela, razão pela qual não estava disposta a dizer não e resolveu sucumbir às propostas estéticas da amiga da amiga, que tem, por assim dizer, um jeito meio 'barroco' de ser. Mas, tudo bem. Estava a milhas de casa, ninguém a conhecia mais e essa transgressão fashion não chegaria a macular o seu curriculum.
O casamento tinha sido lindo, animadíssimo, tanto que, quando ela chegou da festa, desmaiou na cama e resolveu que se desmontaria no dia seguinte, quando tomaria uma bela ducha.
Só que agora não havia água. Problema maior não seria se ela não tivesse que tomar o avião de volta pra casa naquela mesma tarde. E como fazer isso? As pessoas iam simplesmente achá-la horrorosa e inconveniente, viajando daquele jeito.
Pensando nessa questão insolúvel, ela voltou ao quarto. E lá estava ele. O bouquet da noiva. Depois de anos de frequencia a casamentos, ela havia pegado o bouquet da noiva.
Aquilo, certamente, queria dizer alguma coisa. Ela havia feito 30 anos alguns meses antes e até então levava uma vida despreocupada, com um romancezinho aqui, outro lá, algumas viagens e muitas histórias pra contar. Trabalhava, era independente, pagava suas contas, mas gastava tudo o que ganhava, sem fazer planos e sem pensar no futuro.
Mas, agora ela tinha o bouquet, o passaporte para o mundo das mulheres comprometidas, segundo a lenda. Era um sinal de que tinha que começar a tracejar seu futuro.
Acontece que ela havia perdido muito tempo nessas elocubrações e, quando se deu conta, já estava atrasada. Vestiu-se de qualquer jeito, estava um calorão, colocou uma bermuda, uma camiseta, havaianas nos pés e que se dane o bolo de noiva no alto de sua cabeça. Logo estaria em casa, tomaria um banho, colocaria seu pijama e tudo estaria certo de novo.
Apenas não contou com o engarrafamento monstro na Avenida Brasil, daqueles de quilômetros e horas a fio de espera. Resultado: perdeu o voo. E o pior, aquele era o último voo do dia, o que significava que ela teria que ficar no aeroporto até o dia seguinte, daquele jeito ridículo.
"Vamos ter calma", ela pensou. Começou a tremer, o que deu para notar porque o bouquet balançava nas suas mãos. Claro que o mais sensato a fazer naquela hora seria jogar o tal bouquet fora, mas aquilo seria o mesmo que desprezar os sinais que o universo mandava. Não, o bouquet deveria ficar. Com sorte, ninguém o notaria, apesar de ser vermelho e cheio de laçarotes e tule.
A primeira coisa foi procurar um hotel dentro do aeroporto. Mas, o que encontrou exigia que ela deixasse um dos rins e as duas córneas como sinal, sendo que, ao sair, ela teria que deixar o outro como complementação do pagamento. Não, ela já havia gasto demais com essa história de ser madrinha de casamento: viagem, presente, vestido, produção - humpf, a produção... O jeito, então, era ficar no saguão do aeroporto até o dia seguinte, sentada em um banco qualquer.
Note-se a figura ridícula que se apresentava: com um ninho de pássaros no alto da cabeça, maquiagem borrada, bermuda, havaianas e um bouquet de flores na mão, figindo que os olhares enviesados não eram para ela. E olhe que a 'fauna' toda desfila pelos aeroportos do mundo.
E assim ficou nossa amiga, sentada naquele banco até adormecer e, sem largar o bouquet, sonhar com castelos, cavalos brancos e príncipes.
Nota: esta história é verídica e faz aniversário este mês.
Foi a primeira coisa que ela ouviu naquele dia, antes mesmo de acordar totalmente. Bem devagar, foi para o banheiro, a fim de se certificar da triste notícia. Abriu o chuveiro, nada. Abriu a torneira, mesma coisa.
Olhou para o espelho e teve vontade de chorar. Afinal, onde ela estava com a cabeça quando permitiu que lhe fizessem aquele penteado de perua? Aquela flor de cabelos saindo da cabeça, um topete e cachichos descendo ao lado das orelhas. Parecia mais uma mistura malsucedida de Hebe Camargo com judeu ortodoxo. E olha que o dito tinha era laquê, porque, apesar de ser esse desastre, estava perfeito, como se ela tivesse passado a noite sentada sem mexer a cabeça. Até o topete estava lá, intocado!
E aquela maquiagem de palco, de onde ela tirou? Se fosse loira, diria que guardava semelhança com a Barbie ou a Ivana Trump, não sabia dizer ao certo. Como era morena, pensava estar mais para a Isabelita dos Patins.
Tinha viajado quilômetros para ser madrinha do casamento da sua melhor amiga e estava realmente feliz por ela, razão pela qual não estava disposta a dizer não e resolveu sucumbir às propostas estéticas da amiga da amiga, que tem, por assim dizer, um jeito meio 'barroco' de ser. Mas, tudo bem. Estava a milhas de casa, ninguém a conhecia mais e essa transgressão fashion não chegaria a macular o seu curriculum.
O casamento tinha sido lindo, animadíssimo, tanto que, quando ela chegou da festa, desmaiou na cama e resolveu que se desmontaria no dia seguinte, quando tomaria uma bela ducha.
Só que agora não havia água. Problema maior não seria se ela não tivesse que tomar o avião de volta pra casa naquela mesma tarde. E como fazer isso? As pessoas iam simplesmente achá-la horrorosa e inconveniente, viajando daquele jeito.
Pensando nessa questão insolúvel, ela voltou ao quarto. E lá estava ele. O bouquet da noiva. Depois de anos de frequencia a casamentos, ela havia pegado o bouquet da noiva.
Aquilo, certamente, queria dizer alguma coisa. Ela havia feito 30 anos alguns meses antes e até então levava uma vida despreocupada, com um romancezinho aqui, outro lá, algumas viagens e muitas histórias pra contar. Trabalhava, era independente, pagava suas contas, mas gastava tudo o que ganhava, sem fazer planos e sem pensar no futuro.
Mas, agora ela tinha o bouquet, o passaporte para o mundo das mulheres comprometidas, segundo a lenda. Era um sinal de que tinha que começar a tracejar seu futuro.
Acontece que ela havia perdido muito tempo nessas elocubrações e, quando se deu conta, já estava atrasada. Vestiu-se de qualquer jeito, estava um calorão, colocou uma bermuda, uma camiseta, havaianas nos pés e que se dane o bolo de noiva no alto de sua cabeça. Logo estaria em casa, tomaria um banho, colocaria seu pijama e tudo estaria certo de novo.
Apenas não contou com o engarrafamento monstro na Avenida Brasil, daqueles de quilômetros e horas a fio de espera. Resultado: perdeu o voo. E o pior, aquele era o último voo do dia, o que significava que ela teria que ficar no aeroporto até o dia seguinte, daquele jeito ridículo.
"Vamos ter calma", ela pensou. Começou a tremer, o que deu para notar porque o bouquet balançava nas suas mãos. Claro que o mais sensato a fazer naquela hora seria jogar o tal bouquet fora, mas aquilo seria o mesmo que desprezar os sinais que o universo mandava. Não, o bouquet deveria ficar. Com sorte, ninguém o notaria, apesar de ser vermelho e cheio de laçarotes e tule.
A primeira coisa foi procurar um hotel dentro do aeroporto. Mas, o que encontrou exigia que ela deixasse um dos rins e as duas córneas como sinal, sendo que, ao sair, ela teria que deixar o outro como complementação do pagamento. Não, ela já havia gasto demais com essa história de ser madrinha de casamento: viagem, presente, vestido, produção - humpf, a produção... O jeito, então, era ficar no saguão do aeroporto até o dia seguinte, sentada em um banco qualquer.
Note-se a figura ridícula que se apresentava: com um ninho de pássaros no alto da cabeça, maquiagem borrada, bermuda, havaianas e um bouquet de flores na mão, figindo que os olhares enviesados não eram para ela. E olhe que a 'fauna' toda desfila pelos aeroportos do mundo.
E assim ficou nossa amiga, sentada naquele banco até adormecer e, sem largar o bouquet, sonhar com castelos, cavalos brancos e príncipes.
Nota: esta história é verídica e faz aniversário este mês.
2 comentários:
Putz, acho que eu entraria naquele banheiro/fraldário e enfiava a cabeça na pia dos bebês, com o chuveirinho na cabeça, sem medo de ser feliz!
Beijos
Adriana
COITADA!!!!!!! A vida real é sempre uma tragicomédia! affff....
Nossa sofri junto. Mas eu daria uma de madonna num filme que vi há muito tempo atrás. Tomaria um banho na pia e me secaria no secador de mãos...hehehehe...
Seu texto está ÓTIMO!!!!!!
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